Obrigado, menino

Quando vejo Ronaldinho com uma bola nos pés, eu sei que, também eu, sou especial. Porque é isso a arte: criar artistas em cada alguém que tem o prazer de a observar. E, com a imagem de Ronaldinho nos olhos, eu sou o mais puro dos artistas: o artista do pé descalço; o artista dos mil e um malabarismos desenhados na almofada, criados nas fantasias imberbes de menino; o artista que sorri sempre que lhe vejo o rosto – e é também isso a arte: um sorriso, um acenar de sorriso dentro das esferas de uma existência cada vez mais deprimente; ou: deprimida.
Quando vejo Ronaldinho, eu encontro um Brasil vergado, um Brasil pisado pela pobreza, perdido nas teias de uma demolição social quase imparável – e encontro esse mesmo Brasil anestesiado com as diabruras do seu traquinas, um Brasil deleitado pela alegria de ver um filho de si – e das suas agruras – a deleitar o mundo. E, nesses instantes em que a bola recebe, submissa, as ordens que Ronaldinho lhe dá, toda a pobreza termina, toda a dor cessa; e o que fica é ele, o menino, a dizer ao mundo que afinal vale a pena, que afinal tem mesmo de valer a pena continuar mesmo quando continuar nada mais é do que uma sucessão de dores com intervalos de prazer – com intervalos de Ronaldinho.
Quando vejo Ronaldinho, eu encontro a anulação das probabilidades, a inesperada imagem de um lugar onde tudo se resumisse ao talento – e onde um gigante de quase dois metros e de muitos quilos se verga à incontornável impotência de nada poder fazer para parar o talento. E, num momento de luz, encontro nos relvados onde o menino caminha e corre e salta e ri a sociedade perfeita, onde tudo o que interessa é o talento, o génio, a beleza – a utopia, enfim, de um mundo por vir; de um mundo eternamente por vir por dentro da mente quimérica de um esteta.
Quando vejo Ronaldinho, eu esqueço-me de que a vida acaba; e tenho a certeza de que, um dia, daqui por muitos anos, serei – eu e os que comigo partilham a imagem viva do número dez do Barcelona com uma bola nos pés – invejado por todos aqueles que só terão a oportunidade de o ver em focos de passado, em luzes sem repetição. Sim, porque ele, apesar de não parecer, também é finito; porque ele, apesar de o parecer, não é Deus.
Obrigado, menino. Que a vida te recompense pelos pedaços de esperança que ofereces a muitos milhões espalhados pelo Globo. Que a vida me permita ter vida para ver a tua vida.
6 Comments:
NÃO SE ARRANJA OUTRO ARTISTA CABEÇUDO PARA O BLOG?
ESTE É FRACO...
Caro Anonymous (é da família do outro anonymous que costuma andar pro aí - vocÊs ainda são uma família grande, hein?),
devo discordar quando refere que eu sou "um artista cabeçudo". Fico, até, algo magoado consigo. Cabeçudo ainda aceito; mas artista ultrapassa todos os limites. Exijo um pedido de desculpas.
Abraço!
Realmente aquele passe faz esquecer muita coisa, e ter o prazer de assistir a magia no desporto, como já não viamos assim, deste calibre, desde os tempos de Carlos Valderrama, ou Diego Maradona.
Ronaldinho é apenas um bom jogador, com jeitinho para o circo. É inconsequente e joga á parte dos outros 10, serve para vender camisolas, pouco mais...
"Anonymous said...
Ronaldinho é apenas um bom jogador, com jeitinho para o circo. É inconsequente e joga á parte dos outros 10, serve para vender camisolas, pouco mais... "
LOL?
caro anónimo,pelo que diz, acredito seriamente que nunca tenha tocado numa bola de futebol, se pelo contrário já o fez mas continua a ser o dono dessa opinião, ofereça-se a um clube de topo, pois imagino a facilidade com que certamente fará o que faz ronaldinho, e muito mais!
Greets to the webmaster of this wonderful site! Keep up the good work. Thanks.
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