A lição social do cigano
Poderia optar – esse seria, até, o caminho mais simples – por iniciar este meu texto com um jogo de linguagem, já recorrente mas ainda assim sempre interessante, com a expressão popular “estar com um olho no burro outro no cigano”, em que convocaria – e o uso do verbo “convocar” não é, no caso em vertente, nada despiciendo – os nomes de Luiz Felipe Scolari e de Ricardo Quaresma, cada um no seu papel dentro do provérbio. Contudo, e para tristeza de alguns, não irei ceder a essa tentação. E não o faço por uma razão muito simples: estaria a incorrer numa séria imprecisão. Explicitemos as duas ordens de motivos que estariam na base da incorrecção dessa comparação: 1) toda a gente sabe que Ricardo Quaresma não é, na verdade, cem por cento de etnia cigana; 2) toda a gente sabe que é humanamente impossível – o que explica, desde logo, o porquê de o Cláudio Ramos ser capaz de o fazer – estar, simultaneamente, a olhar para dois pontos de referência separados entre si.
Esclarecida esta opção, é tempo de iniciar a minha reflexão de hoje, que versará – por ser, efectivamente, bastante importante – o carácter social de capital importância do sucesso de Ricardo Quaresma enquanto jogador de futebol. Ora, enveredar por esta abordagem é, de facto, altamente inovador – não me recordo de, alguma vez, ter ouvido ou lido algum comentador de referência (lista exígua onde – com a modéstia que é, a par com o talento, a minha principal imagem de marca - me incluo) ter aflorado este tipo de abordagem. Este vazio reflexivo-teórico sobre a eminência social de Ricardo Quaresma pode ter explicação – e devo realçar que esta é somente uma hipótese que deixo em aberto[1] – no facto de essa eminência social simplesmente não existir, e, por outro lado, ser completamente parva. Mas não serão esses pormenores a inibir a prossecução da minha argumentação.
Na realidade, Ricardo Quaresma é, em meu entender, um baluarte – e um exemplo a seguir – para todos aqueles que padecem de uma qualquer deficiência física[2]. Desde pequeno que o extremo portista sofre – como é do conhecimento geral – com o problema de ter os pés apontados para dentro. Foi, por isso mesmo, bastantes vezes vítima de gozo na escola[3], durante os seus tempos de criança. Chamaram-lhe até, durante alguns segundos – o tempo que demoraram os pais e cerca de setecentos e quarenta tios a chegarem à escola –, “Pato”, em alusão à sua forma peculiar de caminhar. Um desses colegas que, diariamente, o humilhava, dava pelo peculiar nome de José Veiga, embora fosse apelidado – por via de estar, naquela altura, a repetir pela décima quinta vez a terceira classe – de “Pai”. Na escola, Veiga era, assim, o chefe – o que tinha, em grande parte, a ver com o facto de ser, juntamente com a professora Clotilde, o único elemento da comunidade escolar que apresentava abundante barba no rosto.
Hoje, no entanto, e muitos anos volvidos, a realidade é bem diversa. Ricardo Quaresma, o “Pato”, é um ídolo, muito por culpa da sua deficiência nos pés (que lhe permite efectuar as suas famosas trivelas com invulgar mestria) e, também, por mérito da sua família, que lhe incutiu a importância da prática desportiva, ao mesmo tempo em que incutiu, em todos os treinadores das camadas de formação do Sporting, a importância de manterem os seus ossos – e os das suas famílias – intactos, o que só seria possível se o “cigano” fosse titular e, a acrescer a isso, fosse capitão de equipa; José Veiga, esse, por seu lado, é, actualmente, director-desportivo do clube que, desde criança, apregoava odiar mais do que tudo na vida – o ódio pelo Benfica só era comparável ao ódio que Veiga nutria pelas contas de somar (ainda hoje pensa que 1+1 são 3). Se este destino tão desigual não é a prova inequívoca de que Deus, como tão bem é defendido na ancestral frase popular, não bate mas castiga, eu vou ali e já venho. Vendo bem as coisas, mesmo que não seja, eu vou ali e já venho.
Esclarecida esta opção, é tempo de iniciar a minha reflexão de hoje, que versará – por ser, efectivamente, bastante importante – o carácter social de capital importância do sucesso de Ricardo Quaresma enquanto jogador de futebol. Ora, enveredar por esta abordagem é, de facto, altamente inovador – não me recordo de, alguma vez, ter ouvido ou lido algum comentador de referência (lista exígua onde – com a modéstia que é, a par com o talento, a minha principal imagem de marca - me incluo) ter aflorado este tipo de abordagem. Este vazio reflexivo-teórico sobre a eminência social de Ricardo Quaresma pode ter explicação – e devo realçar que esta é somente uma hipótese que deixo em aberto[1] – no facto de essa eminência social simplesmente não existir, e, por outro lado, ser completamente parva. Mas não serão esses pormenores a inibir a prossecução da minha argumentação.
Na realidade, Ricardo Quaresma é, em meu entender, um baluarte – e um exemplo a seguir – para todos aqueles que padecem de uma qualquer deficiência física[2]. Desde pequeno que o extremo portista sofre – como é do conhecimento geral – com o problema de ter os pés apontados para dentro. Foi, por isso mesmo, bastantes vezes vítima de gozo na escola[3], durante os seus tempos de criança. Chamaram-lhe até, durante alguns segundos – o tempo que demoraram os pais e cerca de setecentos e quarenta tios a chegarem à escola –, “Pato”, em alusão à sua forma peculiar de caminhar. Um desses colegas que, diariamente, o humilhava, dava pelo peculiar nome de José Veiga, embora fosse apelidado – por via de estar, naquela altura, a repetir pela décima quinta vez a terceira classe – de “Pai”. Na escola, Veiga era, assim, o chefe – o que tinha, em grande parte, a ver com o facto de ser, juntamente com a professora Clotilde, o único elemento da comunidade escolar que apresentava abundante barba no rosto.
Hoje, no entanto, e muitos anos volvidos, a realidade é bem diversa. Ricardo Quaresma, o “Pato”, é um ídolo, muito por culpa da sua deficiência nos pés (que lhe permite efectuar as suas famosas trivelas com invulgar mestria) e, também, por mérito da sua família, que lhe incutiu a importância da prática desportiva, ao mesmo tempo em que incutiu, em todos os treinadores das camadas de formação do Sporting, a importância de manterem os seus ossos – e os das suas famílias – intactos, o que só seria possível se o “cigano” fosse titular e, a acrescer a isso, fosse capitão de equipa; José Veiga, esse, por seu lado, é, actualmente, director-desportivo do clube que, desde criança, apregoava odiar mais do que tudo na vida – o ódio pelo Benfica só era comparável ao ódio que Veiga nutria pelas contas de somar (ainda hoje pensa que 1+1 são 3). Se este destino tão desigual não é a prova inequívoca de que Deus, como tão bem é defendido na ancestral frase popular, não bate mas castiga, eu vou ali e já venho. Vendo bem as coisas, mesmo que não seja, eu vou ali e já venho.
[1] Não há – não obstante poder, à partida, transparecer essa ideia –, no uso da unidade lexical “aberto”, uma tentativa de chamar à colação qualquer orifício corporal da Elsa Raposo.
[2] Não há – não obstante poder, à partida, transparecer essa ideia –, neste ponto, qualquer tentativa de chamar à colação os pés do Moretto ou a cara do Petit.
[3] Sim, apesar de, quando temos a oportunidade de o ouvir expor as suas ideias, podermos julgar que isso não é minimamente verosímil, a verdade é que Quaresma andou mesmo na escola. Há até quem advogue – embora não possa ser apresentado como algo líquido – que conseguiu mesmo terminar a quarta classe.
1 Comments:
Venho por este nobre meio, e se tal me for permitido, deixar o meu humilde testemunho sobre o Post em questão que tão nobremente escrito está. Estou maravilhada com tamanho empenho e penso que se nos nossos jornais se escrevesse com tal afinco os portugueses não diriam "Prontos" nem "Obrigadinhas" tantas vezes – penso eu, é apenas uma modesta opinião, estou a opinar.
No entanto quero vigorar a minha concordância plena em relação ao facto do nosso querido avançado "ciganinho" ter um andar estranho. Atrevo-me a acrescentar inclusivamente que os pais e os 10 biliões e 582 tios também têm culpa já que ele, suponho eu, ainda está inserido na época gloriosa das lindíssimas botas ortopédicas – que tanto terror e pesadelos provocaram às criancinhas que as usaram. No entanto, hoje, ele seria, certamente, uma pessoa normal e equilibrada sem recalcamentos anteriores referentes à infância traumática onde o referiam como "Pato", tal como foi referido, e tão bem, no “Post”. Esses recalcamentos poderão tê-lo feito jogar com menos afinco e consequentemente tê-lo feito perder sessões de treinos para poder ir para a chaise longue do psicólogo mais próximo.
Com menos afinco e vigor nos fervorosos dribles do esférico, Scolari – aquele que com muita lógica é chamado "Mister" (com uma pronuncia de cortar os pulsos com toda a força inter-galáctica) – não sentiu motivação suficiente para qualquer convocação e discerniu portanto que a melhor opção seria o Quaresma ficar em casa a jogar Elifoot para ir treinando para uma hipotética convocação no Euro 2008 – remota, digo.
Concluo então, se me for permitido, que a culpa toda de Quaresma não ter estado na Selecção é, sem dúvida, dos pais e dos 10 biliões de 582 tios já que nunca lhe ofereceram umas botas ortopédicas.
Grata pela valorosa atenção e pelo espaço cedido.
:)
Enviar um comentário
<< Home